terça-feira, 19 de fevereiro de 2008

TEATRO INFANTIL - LYSCIA BRAGA

LOCAL: O RIO DE JANEIRO, NOS BAIRROS DA LAGOA E JARDIM BOTÂNICO

PERSONAGENS POR ORDEM DE ENTRADA EM CENA:
- MARIA: Menina de rua, de dez anos de idade, órfã, desaldeada, descendente dos índios Caiuás, vende frutas nas ruas.
- JOANA: Menina de rua, de sete anos de idade, irmã de Maria, e igualmente órfã, descendente dos índios Caiuás, vive das vendas de frutas pelas ruas.
- O CASAL DE VELHOS EXPLORADORES: Vivem de explorar as meninas
- A GRINGA: Turista com sapatos de jacaré, horrorizada com os bichos e o lixo que encontra pelas ruas da cidade.
- HAROLDINHO JACARÉ: Um jacaré fugitivo, amigo das meninas que o ajudaram a se esconder num parque abandonado.
- MANGUEIRA DO NORTE: Representante do verde, nortista enfezada com os seres humanos que escavam as encostas dos morros.
- FOGO CRIMINOSO: Manipulado pelos homens, vive perseguindo a Mangueira do Norte, tentando queimá-la, mas sofre uma lavagem cerebral, voltando a prestar bons serviços.
- ÁGUA DE MINA: Água pura, sem poluição, acaba com a farra do fogo e proporciona banhos maravilhosos.
- GRUTALINDA: Gruta, de pedras fabulosas, ainda não tocadas pelo homem, proporciona uma viagem de volta ao povo de origem das meninas e do jacaré, levando-os de volta ao Pantanal, por baixo da terra.

OBSERVAÇÕES GERAIS:
- A peça terá quatro atores fixos, duas crianças e dois adultos, que se revezarão nos diversos papéis.
- Apesar de trabalhar uma temática realista, o espetáculo será muito fantasioso, e engraçado, como uma história em quadrinhos com as cores do Brasil.


CENA 1

Personagens: Maria de 9 anos, Joana de 7 anos, a Velha e o amigo da velha
Local: Debaixo de um viaduto, numa casa de papelão forrada de jornais velhos, alguns trapinhos, algumas latas e uma pequena fogueira, estão dormindo Maria e Joana, o ar está tomado por uma fumaça negra e o barulho de carros é enlouquecedor. É verão e, é de manhã cedinho, ao som do Hino Nacional Brasileiro, inicia-se a peça.

Maria (levantando-se e olhando para fora)
Acorda Joana, as crianças do colégio já estão chegando, vem ver...
Joana (levantando-se e olhando para o mesmo lugar que Maria) Respira fundo o ar poluído e se espreguiça, as duas sonham acordadas
Pô, Maria, eu queria tanto estudar...
Maria
Ter livros coloridos...
Joana
Caixas de lápis de cores...
Maria
Borrachas cheirosas..
Joana
Uma merendeira...
Maria
Um uniforme passadinho...
Joana
Régua com figuras que se mexem...
Maria
Cadernos, muitos cadernos...
Joana
E uma mochila rosa...
Maria
Eu ia fazer um penteado todo o dia...
Joana
E eu ia passar batom, cada dia de uma cor
Maria (caindo em si)
É ruim hein! Isso é pra quem pode e não pra quem quer... (enfia o rosto numa das latas de água), a gente tem é que ralar...
Joana (descascando uma manga, olhando com receio para os lados para ver se não estava sendo observada pela Velha, que está sentada junto ao fogo, conversando com o velho)
Maria, (baixinho) Maria... você quer um pedaço?
Maria (assustada)
Joana, onde foi que você arrumou (mais baixo) esta manga? Se a Velha te pega com isso ela te bate.
Joana
Mas eu peguei na velha mangueira do parque, ontem de tarde...
Maria
Não interessa, come rápido pra velha não ver...
Joana (coloca a metade na boca)
Toma o teu Maria...
Maria (coloca o seu pedaço, também inteiro na boca)
Vem, vamos lavar a mão e a boca, senão vai ficar cheiro e a velha vai descobrir e, vai pensar que era uma das mangas dela...
A Velha (se virando pra trás)
Vocês duas estão aí pensando que são marajás é? O trânsito já está um tumulto, vão trabalhar, anda, e hoje, as duas belezinhas aí só vão comer quando acabarem o trabalho, só de noite, e se trouxerem uma boa grana pra mim (rindo junto com o velho)
Maria e Joana (se cheirando)
Já tamos indo!
Joana
Maria, hoje a gente vai até o parque ver o Haroldinho?
Maria
Psi, psi, (olha para os lados) ta maluca é? A velha pode ouvir... (baixo) Vamos! Mas não conta pra ninguém, senão pegam o Haroldinho e aí, coitado...
Joana
É o nosso segredo.

(O BARULHO DOS CARROS ESTÁ MUITO ALTO E A FUMAÇA AUMENTOU, JUNTO COM GRITOS E CONVERSAS, BUZINAS, SIRENES E ETC... a VELHA ENTRA COM UM CABO DE VASSOURA NA MÃO E UMA CARA DESAGRADÁVEL, PARECE UMA BRUXA)

A Velha
Então crianças, vocês estão achando que ganharam no bicho?
O Velho (mais ameaçador que a Velha)
Vão trabalhar, anda, pega aquela caixa de frutas ali fora e não me apareçam aqui antes de terem vendido tudo!
Joana
Tudo? (começa a chorar)
A Velha
Tudo sim preguiçosa (levantando o cabo de vassoura ameaçando-a) A não ser que você queira levar uma boa surra e descansar toda..
Maria (colocando-se na frente de Joana)
Nós vamos vender tudo e trazer o dinheiro rapidinho, pode deixar que..
O Velho
Então rua! Deixa de perder tempo, vão trabalhar, que lá fora o movimento está dos melhores...

(AS DUAS SAEM, CARREGANDO COM DIFICULDADES A PESADA CESTA DE FRUTAS)

Maria
Joga o peso para o meu lado, então, melhorou?


(O VELHO E A VELHA, PEGAM UMA GARRAFA DE CACHAÇA E BEBEM, CANTANDO E DANÇANDO, UMA MÚSICA SOBRE EXPLORAÇÃO INFANTIL, AO SOM DE BUZINAS, SIRENES E MUITA FUMAÇA, QUE TOMA CONTA DA CENA, ELES SAEM AO FINAL, LEVANDO O CENÁRIO)

Música 1- Rap: “Bom mesmo é explorar”
Cantam: O Velho e a Velha



Ahahahahahahah
Coitadinhas, coitadinhas, coitadinhas, coitadinhas
Tem que ralar, tem que ralar
Tem que ralar, tem que ralar

No sol, na chuva
Todo dia
Noite e dia
Inverno, verão

Ahahahahahahah
Coitadinhas, coitadinhas,coitadinhas, coitadinhas
Tem que ralar, tem que ralar

Tenho uma barriga muito grande pra encher
Tenho uma garganta muito seca pra molhar

Ahahahahahahah
Coitadinhas, coitadinhas,coitadinhas,coitadinhas
Tem que ralar, tem que ralar

Se ainda pensam em encher a pança
As minhas custas, vão se danar
Bom mesmo é explorar

Ahahahahahahah
Coitadinhas, coitadinhas, coitadinhas,coitadinhas
Tem que ralar, tem que ralar
Tem que ralar, tem que ralar



Cena 2


Personagens: Maria e Joana, motoristas
Local: Sinal de uma rua de muito movimento, trânsito projetado e complementado por carros de papelão com diversas caras que transitam desordenadamente de um lado para o outro do palco, as duas meninas, circulam no meio dos carros, tentando vender mangas aos motoristas e passageiros, a poluição do ar e do som é enorme. As duas meninas tossem sem parar e gritam para serem ouvidas no meio deste caos.

Maria
Olha a manga! Ta baratinho, leva ai moça! Ohohoh (tosse)
Joana
A manga ta uma delícia, poxa moço, leva aí, me ajuda... (tosse)
Maria
Olha o tamanho e, está docinha, me ajuda, leva aí moço...(tosse)
Motorista 1
Sai da frente, não quero manga nenhuma de gente com tosse, você deve estar é doente...
Maria
Não tô doente não seu moço, é a fumaça, é essa poluição, compra aí...
Motorista 1
Cai fora garota, eu não quero manga nenhuma (fecha o vidro do carro)
Joana
Compra aí moça, os meus olhos já estão ardendo por causa da fumaça dos carros, eu já tou aqui desde manhã cedinho, me ajuda, compra ai...
Motorista2
Não quero não minha filha, manda o teu pai trabalhar em vez de mandar você prá rua...
Joana
Mas o meu pai e minha mãe morreram na enchente...
Motorista 2
Eu sinto muito mas não posso fazer nada (fecha o vidro)
Maria
Pode comprar que eu garanto, ta um mel (pega o dinheiro e guarda)
Joana
Ta gostosa mesmo, tô garantindo (entrega as mangas)

(O sinal abre o motorista arranca e leva as mangas sem pagar e, ainda ri da menina, que fica desesperada sem o dinheiro das mangas)

Joana
Moço o senhor não pagou! Moço, moço, (começa a chorar e quase é atropelada no meio do trânsito, que corre, Maria a puxa para a calçada)
Maria
Ta de bobeira? Você quase foi atropelada. (Joana não para de chorar) O que foi Joana o carro passou por cima do seu pé? O que foi?
Joana
O homem pegou as mangas e não me pagou (chora alto) a Velha vai...
Maria (espantada)
Roubou?(começa a gritar para os carros que passam em alta velocidade) Ladrão! Canalha! Me devolve as mangas! (para Joana) Calma Jô, calma (para os carros) Miserável! Roubar crianças trabalhadoras! Cala a boca Joana, não vai adiantar nada chorar, o cara já roubou e se pirulitou. (Joana chora mais alto, desesperada) Chega cala a boca que eu te dou aquela sacola que a dona daquela casa me deu, mas para de chorar...
Joana
Dá? A sacola toda? Com aquele vestido azul bonito? (tosse)
Maria
Dou Joana. Ficou apertado mesmo, pode ficar com o vestido e o resto, mas para de chorar que eu preciso pensar o que a gente vai fazer pra pagar os velhos as mangas roubadas. (tosse e esfrega os olhos, Joana para de chorar e corre para pegar a sacola que esparrama toda pelo chão, separando do resto um velho vestido desbotado guardando o resto dos trapos) Que vestido bonito, eu nunca tive um vestido tão lindo. Posso vestir agora Maria? Posso? Posso? (vai perguntando e vestindo por cima da roupa)
Maria
Pode Joana! Pode... (tosse... O sinal torna a fechar, Maria corre para os carros gritando) Olha a manga, leva três e paga duas , ta que é mel, vamos lá gente, me ajuda, compra aí...


(Joana vestida com o vestido azul, toda brejeira, começa a cantar a cantiga de roda “Se essa rua fosse minha, enquanto Maria repete automatizada o mesmo refrão, como um rap, criando um clima de fantasia. As duas músicas se intercalando, se encaixam aumentando sempre o ritmo repetitivo, com o barulho do trânsito de fundo no meio da poluição, até caírem uma para cada lado, exaustas.)


“Cantiga da Joana “(rodando) “Rap da Maria “(entre os carros)

2.Se essa rua 1./7 Olha a manga
Se essa rua Tá gostosa
Fosse minha Tá docinha
Compra moço
4.Eu mandava Me ajuda
Eu mandava 3.Olha a manga
Ladrilhar Tá gostosa
Tá docinha
Compra moço
6.Com pedrinhas Me ajuda
Com pedrinhas
De brilhantes 5.Olha a manga
Tá gostosa
8.Para o meu Tá docinha
Para o meu Compra moço
Amor passar Me ajuda


Maria
(As duas caídas no chão, tossindo muito e esfregando os olhos, gritam para se fazerem ouvir) Ufa! Já vendi tudo... Chega de trabalhar hoje, vamos até o parque ver o Haroldinho, (Joana não se mexe) Você escutou Joana? Ta surda é?
Joana
(Gritando) Quase, é tanta barulheira que eu acho que já estou ficando surda. (tosse) e o meu olho ta ardendo pra caramba, é a fumaceira dos carros.
Maria
Então vamos sair do meio desta poluição geral (tossindo pega a mão de Joana e sai correndo, dando voltas no palco, mudança de luz )


Joana
Acho que vai cair um toró! (raios e relâmpagos ameaçam as duas, barulho de trovoadas, as duas correm de mãos dadas, o cenário muda)


Cena 3
(Começa a cair folhas secas, o chão do palco fica coberto por elas, do palco vimos a ponta de um lago, cheio de lama e lixo.)

Personagens: A Gringa, Maria e Joana.

Joana
Que imundice! Outro dia eu ouvi um gringo dizer que isso aqui é uma chácara. O que é uma Chá cára?
Maria
(tentando adivinhar) Eu acho que é chácara, eu também ouvi, mas não entendi direito.Deve ser o lugar onde os ricos jogam o lixo, é, deve ser isso.
Joana
É. (As duas param ao lado do lago e ficam olhando fixamente a procura de alguém) Onde será que ele se meteu? (começam a chamar baixinho) Haroldinho...Haroldinho
Maria
Será que pegaram ele? (chamando, já angustiada) Haroldinho, somos nós, a Maria e a Joana... Haroldinho...
Gringa
(Surgindo por trás das meninas) Eu não poder deixar de escutar o conversa de vocês, sobre o chácara e, querer dizer que um chácara, ser um logar como uma casa de campo perto da cidade, com árvores de frutos... (as duas meninas se viram para a turista que ao encará-las, fica apavorada) Oh! Vocês ser uns trombadinhas? (agarra a bolsa e desmaia) Ahhhhh! Uns pivetas....
Maria
Que louca!
Joana
Trombadinhas... (As duas correm para socorrer a gringa)
Maria
Que isso dona gringa, pivete não
Joana
E muito menos trombadinhas
Maria
Nós somos trabalhadoras, trabalhamos duro o dia inteiro
Joana
Vendemos frutas debaixo de sol e de chuva
Maria
Respirando a fumaça dos carros
Joana
E a senhora vem lá das oropas prá nos chamar de trombadinhas
Maria
Nós somos trabalhadoras do Brasil
Gringa
(já recuperada do desmaio,visivelmente envergonhada) Oh! Vocês nom ser ladronas, perdon, eu non saber, me falaron para ter cuidado com meninos trombadinhos, eu pensar que vocês ser um
As duas
Mas não somos, somos trabalhadoras
Maria
Trabalhamos duro para sobreviver
Gringa
Sim eu pensar
Joana
Pensando morreu o burro
Gringa
Que burra?
Maria
Esquece e, agora chega de conversa fiada, que nós temos mais o que fazer...
Joana
Isso mesmo, volta pra tua terra e diz lá , que aqui no Brasil, tem criança que trabalha viu, pra eles não sairem ofendendo os outros por aí... (As duas meninas se viram para observar o lago, ficam imóveis)

Gringa
Ah! Eu bem que estava desconfiada de conhecer cara de meninos, vocês não vender frutos, mango, no sinal da
Maria
(Sem se virar) É isso aí. E agora desinfeta, que nós estamos ocupadas.
Gringa
Desinfetar? Mas eu não ter machucado para desinfetar...
As duas
Ihhhhh
Maria
Vai embora
Joana
Desaparece
Maria
Chô
Joana
Evapora
Gringa
(pegando um caderninho na bolsa e uma caneta) Oh! Desinfetar ser, vai embora, desaparece, evapora, tchô...
Maria
Nós estamos ocupadas
Gringa
(olhando fixo para o lago cheio de lama admirada) E o que estão fazendo, paradas olhando para o lama.
Joana
É segredo!
Gringa
Oh! Segreda é segreda...(observa as meninas atentamente) Vocês ser índias? Vocês nom estudar? E seus pais nom trabalhar? Vocês ser muito pequenas para trabalhar no inverno e no veron nos ruas? Onde vocês morar? Quantos anos vocês ter? Como chamam?
As duas
(se virando) Nós cansar (imitam o sotaque e caem na gargalhada)
Maria
Nós somos orfãs, vivemos debaixo do viaduto aqui perto, nunca estudamos, trabalhamos para uns velhos que tomam conta da gente, nós somos irmãs e, somos índias Caiuás. Eu sou a Maria e tenho dez anos e ela, a Joana tem sete.
Joana
Agora chega né dona. Nós estamos esperando o nosso amigo, que não gosta de gente...
Maria
Joana! (disfarçando) O nosso amigo é muito tímido, ta legal e, ele não gosta de gente estranha
Gringa
Oh! Não ter problema, eu já entender, vocês querer ficar sozinhas. Mas digam só duas coisinhas, os velhos que exploram vocês, eles ser doentes? E os índios Caiuás, nom ser aqueles do pantanal?
Joana
Doentes nada, os dois tão muito bem, bebem cachaça o dia todo e nos obrigam a trabalhar para eles, se não nos mandam pra fundação
Gringa
Fundação?
Maria
É. A fundação que cuida de gente como a gente, mas lá é muito pior. Os velhos a gente conhece, eles eram nossos vizinhos, mas a enchente que matou os nossos pais, acabou com a casa deles também,
Gringa
Desabrigadas
Joana
É, desabrigadas... e a muito tempo desaldeadas, sem ter onde morar...
Maria
Antigamente nós éramos os donos da terra, mas agora, o que fazer, é esse o jogo...
Gringa
Acho esse jogo muito ruim. Ok! Não tomar mais tempo de vocês, pobres meninos...
Joana
Meninas. Não está vendo o meu vestido.
Gringa
Ou sim.... vou continuar o meu visita a esta antiga chácara
Maria
Mas toma cuidado, com as cobras e as ratazanas que se escondem no meio do lixo...e quando a gente passa elas...
Gringa
Ratozanas...Oh! Good. Eu ter horror aos ratozanas e cobras...Vou é cair fora desta floresta, antes que os bichas me ataquem... como pode um parque ton bonito, estar coberto de lixo e de lama. O único floresta urbana do mundo, o floresta da Tijuca, com uma fauna variada, como pode ter um parque ton imundo!



Música 3 – Samba – “Estranha cidade Maravilhosa” – (A Gringa canta este samba, devidamente coreografada, com sotaque)

Estranha cidade, Maravilhosa
Entre colinas rochosas e o mar
Cresce uma floresta tropical
Olha o jabuti gente!(grita)

Estranha cidade maravilhosa
De um povo quente, sensual
Que vive seminu, sob o sol
Num grande carnaval, anual
Olha a jararacuçu gente (grita)

Estranha cidade, maravilhosa
Entre o lixo e os bichos
Convivem a vontade
Motoristas homicidas e,
Cabras selvagens
Olha a jibóia aí gente!(grita)

Estranha cidade, Maravilhosa
Onde pedestres, circulam nas calçadas
Junto com bichos silvestres
Tem um tucano ali, um tamanduá aqui,
uma tartaruga dágua lá, corujas sundara por aí...
Estranha cidade, maravilhosa
É o Rio de Janeiro, uma cidade brasileira...

Joana
Afinal, isso aqui é uma chácara? Um parque ? Ou a floresta da Tijuca? Nós não estamos na Tijuca, isso aqui é zona sul.
Maria
Que ignorância Joana, isso aqui é lá pra cima, uma floresta que vai dar na tijuca, isso eu sei e, aqui em baixo, é uma chácara onde fizeram um parque de lixo. Entendeu?
Gringa
Ser mais ou menos isso, mas antigamente, era uma chácara limpa, este parque tinha muitas árvores frutíferas, muita plantaçon, muito bicho variado, uma água limpa, de fontes onde se podia beber e lagos, cachoeiras para se tomar banho no veron, rios sem poluiçon...
Joana
Devia ser legal tomar banho de cachoeira e beber água limpa, puxa e, quem fez essa sujeira?
Gringa
Hoje em dia quem cuida ou melhor, non cuida do parque é o governa, porque o parque pertence a floresta do tijuca, a única floresta dentro de uma cidade, a única no mundo, ser absurdo estar ton sujo e abandonada, mas isso de sujeira, nom ser culpa só de governo, os pessoas brasileiras ser muito mal educada...
Maria
Já vai ofender é?
Gringa
Povo brasileiro, nom ter vergonha no cara, jogam porcarias pelas ruas, parques e tudo, tudo jogam no chon. De onde eu venho nom se pode jogar nada no chon. Lixa no chon pode dar cadeia, prision ao porcalion.
As duas
(rindo) Prisão? Ahahahahahaha, Aqui quem não joga pode ir para o hospício... Que terra de doidos, prender o sujeito porque ele jogou um papelzinho no chão ahahahahahah (gargalhadas)
Gringa
Pois isso ser a causa dos enchentes, nos dias de chuva, uma dos
Maria
Eu não acredito nesta lorota, é cascata pura!
Joana
Caô! Como pode um papelzinho pequenininho que eu joguei no chão causar uma enchente enorme? Isso é papo de Gringo.
Gringa
Nom ser papa de gringa, ser pura verdade. Pensem bem , se vocês jogar papel, o outro jogar outra porcaria e, mais porcaria e outra e mais outra, quando chover o água escorre levando o porcaria de todos para o ralo das esgotas e o que acontecer? O ralo entope e, e
Joana
Esgotas ahahah
Maria
A água não pode descer pelo ralo entupido e o ralo transborda, sai a tampa
Gringa
Isso mesmo
Maria
Mas pode descer pela terra, a terra pode chupar a água
Gringa
Mas nom ter mais terra no cidade, estar quase tudo asfaltado, cimentado, ter muito pouco terra prá chupar o água.
Maria
É Verdade, puxa, eu nunca tinha pensado nisso, assim, desta maneira...
Joana
Eu ainda acho que isso é papa de gringa (rindo)
Gringa
Nom ser papa de gringa, se o água dos chuvas nom ter para onde ir as ruas ficam cheias,
Joana
É pode ser, mas se agente não jogar o lixo no chão, vai jogar onde?
Gringa
Nos latas de lixa! Tem que levar o lixa para os latas
Joana
Pó, que trabalhão!
Maria
É , mais é melhor que ter enchente...
Gringa
Isso meninos, vocês ser inteligentes, eu gostar de conversar com vocês, gostaria de dar uma lembrancinha as duas meninos (abre a bolsa e tira dinheiro)
Maria
Muito obrigado, mas nós não somos mendigas...
Gringa
Oh eu saber, mas ser presente e, vocês nom poder ser orgulhosos (entrega uns dólares para a Joana, que observa com desconfiança)
Joana
Dinheiro verde?
Gringa
Ser dólar
As duas
D ó l a r! E é verde, verdinho
Gringa
Good bye...meninos do Breazil
As duas
(fazendo reverências) Good bye, good bye, brigado moça...( as duas examinam os dólares, a turista sai de cena, no lago, finalmente aparece Haroldinho, jacaré)

(As trovoadas, estão agora mais forte, os raios aumentam começa a escurecer derrepente, sopra um vento forte)

Cena 4

Personagens: Haroldinho e as duas meninas.


A Voz de Haroldinho
Vocês duas hein? Maiores puxa sacos de gringos, não podem ver uns dólares
Maria
(correndo para o lago seguida por Joana) Haroldinho ! Aonde foi que você se meteu? A gente tava preocupada...
Haroldinho
Eu tava escondido, bem escondido no meio da lama do lago
Joana
Isso não se faz, eu até pensei que tinham pego você e...
Haroldinho
E transformado em sapato e bolsa de jacaré? Que nem os daquela Gringa, aquele sapato...
Joana
O que tinha o sapato? Estava furado?
Haroldinho
Era de crocodilo...aquele sapato e aquela bolsa bem que podem ter sido meus parentes e, vocês nem ligaram...(emburrado começa a resmungar)
Maria
O sapato e a bolsa dela era de jacaré?
Joana
Nós não sabíamos, senão agente nem falava com ela
Maria
É, nós não sabíamos, desculpa Haroldinho
Haroldinho
Ta bom, ta bom, não se fala mais nisso.
Joana
(começa a chover) Ih... Está começando a chover, vai molhar o meu vestido novo...
Haroldinho
Ôba! (mergulha na lama e começa a se esfregar tomando banho e cantando)
Tô tomando banho!
Tô tomando banho!
Tô tomando banho!
Ôba! (Joga água para todos os lados, molhando as meninas e mergulhando na lama)
Joana
Ah! Você me molhou todo com essa água imunda!...
Maria
Essa água deve estar contaminada...
Haroldinho
(envergonhado, colocando só a carinha para o lado de fora) Desculpa gente, foi sem querer...
Joana
(inconsolável) Buá, buá (chorando) O meu vestido está todo molhado...
Maria
Depois seca, Joana...
Joana
Ta todo sujo...
Haroldinho
Desculpa, eu fiquei empolgado, não é todo dia que chove e eu quis aproveitar pra tomar banho...desculpa, desculpa, eu lavo pra você...
Joana
Nessa água suja, nunquinha
Haroldinho
Não, na água da gruta, lá na fonte, no alto da floresta ainda tem água pura, limpinha sem poluição, é a nascente, nasce tudo limpo depois é que as pessoas sujam e vocês ainda podem se abrigar do temporal enquanto eu lavo o vestido e, com esse calor seca logo Joana, vai ficar mais bonito ainda, o azul vai ficar mais azul e...
Joana
Ta bom, agora chega de falar, eu aceito as suas desculpas, mas vai ter que ficar mais azul do que antes... (desconfiada)
Maria
Então vamos logo pra essa gruta, senão nós vamos acabar pegando uma doença no meio desta água poluída
Haroldinho
Desculpa gente, eu as vezes esqueço que vocês são humanas e podem pegar doenças nas águas poluídas

Maria
Ué, bicho também pega, não vê a quantidade de peixes que morre todo ano na Lagoa
Joana
A gente nem pode comer eles, eles estão contaminados, estão doentes
Haroldinho
É, quando eu estive lá na Lagoa, eles me contaram que os humanos jogam os esgotos lá dentro e, fica tudo fedendo, acaba matando tudo que vive ali e, eles disseram que antigamente a lagoa era maior, tinha praias...
As duas
Praias?...
Haroldinho
É praias, onde as pessoas tomavam banho e pescavam
Joana
Devia ser bom hein?
Maria
Vamos Haroldinho, que agora a chuva apertou (saem correndo, Haroldinho na frente, guiando as duas meninas, venta forte e a chuva aperta)
Maria
(cai num burraco e fica toda suja de lama) Aii... Os dólares (Joana corre para socorrer Maria, mas acaba socorrendo primeiro os dólares)
Joana
(observando os dólares) Será que vai desbotar? Será que não vai valer mais?
Maria
(gritando) Me tira daqui!
Joana
(ajudando Maria a sair do burraco) Pronto, pronto, mas os dólares , molharam...
Maria
Ai meu deus! (observando os dólares) Eu acho que o verde clareou...
Joana
Você já viu dólar Haroldinho? É Verde!
Haroldinho
(enfurecido) Eu não gosto de dólares, não gosto de gringo, por causa deles todos os meus amigos morreram e eu vim parar aqui....
(Todos começam a dramatizar a história do Haroldinho/ Haroldinho começa a narrar): No dia em que me pegaram, eu estava lá no pantanal, brincando com a minha turma, (os três começam a brincar de estátua) de repente, nós começamos a ouvir uns barulhos esquisitos, diferentes dos barulhos da floresta (Maria faz um jacaré curioso e Joana um caçador, enquanto Haroldinho, faz o papel dele mesmo, eles fazem os barulhos de motores e de tiros) então eu mergulhei bem fundo (mergulha, deixando a carinha de fora) mas meus amigos, mais curiosos, resolveram olhar para ver o que estava acontecendo (Maria jacaré encontra-se com Joana caçadora, que atira contente) e foram todos mortos ... Eu continuei escondido, (cobre-se com folhas secas) olhando de longe .... Eles pegaram os meus amigos e entregaram para os gringos, os gringos deram muitas notas verdes para os caçadores (Joana, caçadora, conta alegremente os dólares Maria, com sapatos e bolsas de jacaré dá o dinheiro). Então eu comecei a chorar (Haroldinho chora) os meus olhos ficaram embaçados e, derrepente , comecei a sentir uma coisa me puxando para cima dágua, (Maria e Joana começam a puxá-lo pelas pernas) eu lutei muito, (veste luva de boxer) mas, não adiantou, eles me pegaram, me arrastaram e, me colocaram num barco (lhe dão uma chupeta e as duas o colocam em cima de uma folha, fazendo barulhos de barco) e me trouxeram para um lugar estranho, que eu nem sabia que existia. Era a cidade, a cidade grande... quantos barulhos estranhos (as duas fazem diversos barulhos de cidade, e imitam as pessoas apressadas dos centros urbanos) me colocaram num lugar apertado que eles chamavam de banheira e agora eu tinha um dono (as duas colocam um cercadinho em torno do jacaré e ficam brincando com ele como se ele fosse um bebe, colocam uma coleira e outros enfeites) Mas eu fui crescendo e aquele lugar foi ficando cada vez mais apertado (Haroldinho faz expressões corporais de acordo) Até que um dia eu sai lá de dentro, o chão era liso e, escorregava muito (Haroldinho pula do cercado e começa a escorregar) A mulher que me dava comida ficou apavorada ao me ver ali naquele chão e começou a gritar (Maria faz a empregada) Eu consegui correr e fui parar num lugar macio e quentinho, muito peludo e neste lugar , tinha um burraco, de lá eu via o céu, puxa a quanto tempo eu não via o céu... e olhando para baixo, era como se eu estivesse no alto da montanha, e lá embaixo eu vi uma lagoa... olhei deslumbrado o céu em cima e a lagoa embaixo, não sei quanto tempo eu fiquei parado ali, olhando, me lembrando dos meus tempos de liberdade... (Haroldinho fez toda essa dramatização, parado de frente para a platéia como se lá fosse uma janela) Então ouvi gritos e vozes, era a mulher e o meu dono que estava armado, (Maria a empregada apavorada e Joana caçadora, entram na dramatização) Eu corri e pulei para todos os lados tentando escapar, derrubei uma caixa que tinha presa dentro delas umas pessoas que falavam muito, quando a caixa caiu as pessoas que estavam lá dentro viraram fogo, a mulher gritava, (Maria grita)- Deus do céu lá se foi a televisão! O meu dono, não parecia se importar, mas a mulher ficou desolada e começou a chorar dizendo coisas que eu não consegui entender (Maria chorando) –Eu vou perder o último capítulo da novela, buá, buá, maldito jacaré... (Haroldinho continuando) Quando eu me dei por mim, eu estava encurralado num canto, perto do burraco que eu via a lagoa e me joguei, só que o meu dono e a mulher me agarraram pelo rabo e me puxaram para dentro, então eu comecei a chorar, chorei, chorei tanto que molhei o chão peludo todo, os dois ficaram espantados com a minha choradeira e ficaram num canto conversando e, olhando para mim. Mais tarde, já estava escuro, no burraco que eles chamaram de janela, eles me enrolaram num pano, eu estava pouco ligando para o que eles iam fazer comigo, só queria chorar... Então começaram a me arrastar, me colocaram numa coisa que descia e, dava um frio na barriga, parecia que nós estávamos caindo e, depois continuaram a me arrastar de lá pra cá e de repente me jogaram nágua, eu fui descendo, caindo até o fundo, lá embaixo me desenrolei e sai andando no lodo, havia muito lodo no fundo, e eu não sabia onde eu estava, mas havia espaço, era tudo muito amplo, pensando bem eu deduzi , que ali deveria ser aquela lagoa que eu tinha visto do alto da montanha que eles chamavam de prédios... Subi á superfície quando cheguei lá em cima, tive certeza , era a lagoa! Eu olhei para cima e vi várias montanhas chamadas prédios cheias de burracos iluminados e em volta da lagoa circulavam uns olhos iluminados, que passavam rápidos, gritando...Mas eu não tive medo estava muito feliz, vocês não imaginam... Depois de tanto tempo preso, eu estava livre, eu podia nadar, mergulhar... (O cenário, enquanto é feita a dramatização do Haroldinho, vai se transformando, um tecido enorme, prateado, cobre a metade do palco, formando a gruta).
Haroldinho
Olhem! A gruta que eu falei, chegamos!
Maria
Puxa, eu nem senti a caminhada
Joana
Nem eu, mas continua a história...
Maria
Primeiro vamos fazer uma fogueirinha pra gente se secar (todos ajudam a fazer a fogueirinha e sentam-se em volta)
Haroldinho
Onde eu estava?
Maria
Na lagoa,
Joana
Que você estava nadando na lagoa
Haroldinho
Ah! Era tão boa aquela lagoa!...
Maria
Se era tão bom , porque você saiu de lá?
Joana
Porque? Porque?
Haroldinho
Calma, a lagoa era boa de noite, naquela noite eu me senti livre de novo, era como se eu estivesse na minha terra, só faltava o som dos maracás , e a gritaria dos índios em dia de pagelança, uma festa que tinha lá perto de onde eu morava
Maria
Esses índios também foram para as cidades, depois que os homens brancos pegaram as terras deles, nossos pais eram da tribo dos
Joana
Dos Caiuás, nós nascemos na reserva. Agora os Caiuás estão se suicidando...
Haroldinho
É o desespero, quando a gente perde nossa cultura, ficamos sem referências e ai vem o desespero
Joana
Cultura? Referências?
Haroldinho
É, os nossos hábitos, manias, costumes da nossa gente, as histórias do nosso povo...
Joana
Ahhnnnn!
Haroldinho
Pois então, quando a gente perde o contato com as nossas tradições, com as histórias do nosso povo, a gente, perde um pedaço da gente, é como se perdêssemos a memória, ficassemos esquecidos, perdidos, sem saber direito quem somos, quem foram os nossos antepassados, de onde viemos e, isso nos deixa muito isolados, muito confusos ficamos desesperados...e foi assim que eu acordei, naquela lagoa estranha da cidade, tudo era estranho, os barulhos, os monstros que corriam como loucos em torno gritando, depois é que eu fui saber que eram carros, mas na hora, eu fiquei apavorado...

(Haroldinho começa a cantar, devidamente coreografado um rock chamado “O Fugitivo” música 4

Estava a toa
Boiando na Lagoa
Quando ouvi
Barulhos de jetski

Eu corri, eu corri...

Por todo lado
Vinham monstros cavalgados
Por homens mascarados

Eu corri, eu corri...

Respirando fundo a poluição do mundo
Mergulhei pra fugir
Eu queria sumir

Eu corri, eu corri....

Estava cansado
De viver despatriado
Na cidade grande
Eu tentei fugir

Eu corri, eu corri...

Enormes olhos luminosos, me perseguiam e
Na noite escura, me descobriam
Eu fugitivo, agonizava
Sobre o asfalto, elameado
Me arrastando, desesperado

Até eu chegar aqui... Eu consegui
Eu venci esta corrida pela vida
Até aqui, eu venci!


Joana
(rindo) ahahahahah.... que loucura, você atravessou todas as pistas, com um trânsito infernal... a cara dos motoristas ahahahahah!
Haroldinho
Eles freiavam em cima de mim e, eu nem ligava, só queria fugir, eu estava desnorteado... não sabia pra onde ir...

Maria
É, mas você deu sorte, naquele dia o trânsito não estava dos piores, aquela rua principal é uma coisa, tem atropelamento todo dia, é um perigo e, de noite, ninguém respeita os sinais
Joana
É porque tem um túnel no começo da rua, que liga a zona norte da cidade ‘a zona sul... e além disso, nos sinais de pedestres não adianta apertar, porque os motoristas não param (volta a rir) ahahahaha, imagina um jacaré apertando o sinal de pedestres...
Maria
(rindo) ahahaha... e depois se os carros pararem ele atravessando ahahahah... a cara dos motoristas ahahahah....
Haroldinho
Eu dei sorte mesmo e, depois encontrar vocês, a cara das duas quando me viram é que foi engraçada (imita), mas se não fossem vocês, eu não ia conseguir pular o muro do parque e, me esconder aqui... Vocês se lembram, naquela época o parque tinha um portão enorme e, fechava de noite
Joana
(rindo) ahahah, tanto sacrifício, se a gente soubesse que eles iam arrancar os portões e colocar dois latões de lixo no lugar, tinha escondido você em outro lugar, até eles fazerem esta maluquice. Ahahah... latões de lixo vazios e um monte de lixo no chão, em volta dos latões, latões de lixo como se fossem barrar alguma coisa, latões de lixo, deve ser pra por lixo, igual nas oropas, muitos latões, ahahah...
Maria
Deu bobeira, foi... (espantada com a gargalhada da irmã, rindo também) A gente te empurrava por um lado e você escorregava pelo outro
Haroldinho
Acabei caindo de cara na lama e, fiquei enterrado de cabeça pra baixo, se vocês não pulassem atrás de mim e me desinterrassem eu ia estar lá até agora, tremendo
Joana
É mesmo, você estava com o rabo tremendo (imita)
Maria
Estava morrendo de medo da gente, mas depois começou a chorar e
Haroldinho
(Emocionado) é... Todos os humanos que eu tinha conhecido até aquele dia, sempre me maltrataram, queriam me transformar em sapato ou bolsa e, eu achei que vocês também queriam alguma coisa, foi só a primeira impressão, eu achei que vocês queriam ser as minhas donas e eu não gosto de ter dono, eu nasci livre, é horrível ter dono, é humilhante... Por isso eu estava com tanto medo, mas eu senti logo, porque bicho sente mais forte, eu senti que vocês só queriam me ajudar, que vocês eram as primeiras humanas com boas intenções que eu conheci e, isso me deixou muito emocionado, por isso eu chorei.
Maria
(Emocionada abraça Haroldinho) Ah! Haroldinho, nós também ficamos muito felizes de te conhecer. Você é o único que ama a gente de verdade e, nós também te amamos, pra sempre! (dá beijos nele)
Joana
(dando beijos também) É, você é o nosso querido! E eu prometo, que ninguém vai maltratar você de novo, eu prometo...
Haroldinho
(Chorando) Nunca ninguém gostou de mim assim... buá, buá, buá... eu sou feliz... (esfrega a carinha elameada no vestido azul de Joana)
Joana
Haroldinho! O meu vestido, você sujou mais ainda...
Haroldinho
(Levantando-se) Eu vou lavar, a fonte é logo ali, dentro desta gruta, dá ai Joana, (Joana tira o vestido) As mulheres são tão vaidosas!!!
Joana
Olha o que você prometeu, mais azul do que antes! (Haroldinho sai)
Haroldinho
Pode deixar que vai ficar mais... mais, bonito, você vai ver.
Joana
(Para o público) Só quero ver, mais... Até jacaré pensa que criança só porque é pequena é boba, eu não!
Maria
Nós vamos ficar aqui perto do fogo que está mais quentinho, não demora...
Joana
É, mas capricha...

(Assim que Haroldinho sai, cai fora da gruta, uma árvore centenária, uma mangueira toda chamuscada, carregando um grande galho partido, chorando e gritando, ela, foge de raios e rolou lá de cima do morro)

Cena 5

Personagens: Meninas, Mangueira do Norte e o Fogo.

Mangueira do Norte
(Com sotaque de nortista) Oh! Xente! Que queda arretada! Aiaiai, o meu galho de estimação, ta quebrado, ta partido, valha me Deus!
Maria
(Saindo da gruta para ver o que é) Mas o que é isso? Um desabamento... (a árvore ao ver as meninas, finge que está plantada, mas fica de cabeça para baixo)
Joana
É uma mangueira maluca que se jogou lá de cima do morro (baixo) e ta fingindo que já estava plantada aí. (ri segurando o riso)
Maria
Se jogou o que Joana, ela desmoronou, desabou junto com uma parte da terra das encostas da florestas...
Joana
Se não foi por querer, por que ela está fingindo que está plantada? Eu ainda acho que ela quis brincar de tobogã...só que ta um pouco gordinha, aí desceu que nem chumbo e, plaft, se plantou aqui...
Maria
Não inventa histórias Joana, coitada! A natureza não fica brincando de desabar, ela não é inconseqüente, deve ter o dedo do homem neste desabamento...
Joana
Pois eu acho que ela é uma mangueira gagá ou quem sabe uma mangueira suicida, igual aos índios Caiuás... Mas ela tem cara de velha caduca, que pensa que é nova , que ta no circo, é, acho que ela pensa que é um mico leão de circo e, fica fazendo estripulias, senão, por que ela ia ficar plantada aí de cabeça pra baixo? Só pode ser velha caduca!
Mangueira do Norte
(Revoltada com os comentários de Joana, levanta-se furiosa, começa a cantar e dançar um xaxado, com sotaque forte)

Música 5 – “O Xaxado da Mangueira do Norte” _ Xaxado

Oh! Xente, tô arretada, tô chateada, tô arretada, tô chateada,
Oh! Xente, aiaiai, ai bichinho

Eu ... Uma mangueira gostosa
Uma senhora idosa
Que dá frutos cor de rosa
Eu... que já tenho mais de cem anos
Que vim do norte pra cá
Pra esta terra ingrata semear
Ainda tenho que ouvir
Desaforo de guri

(evolui no xaxado)
Oh!Xente, to arretada, to chateada, to arretada, to chateada,
Oh! Xente, aiaiai, ai bichinho...

Eu... que tô toda quebrada
Toda escalavrada, toda chamuscada
Eu... já tô cansada, esgotada,
De dá de come, pra essa gente que não vale nada


(Evolui no xaxado)
Oh! Xente, tô arretada, tô chateada, tô arretada, tô chateada,
Oh! Xente, aiaiai, ai bichinho

Eu ... que tava sossegada, plantadinha bem quietinha
Vim rolando morro abaixo, graças as gracinhas dessa gentinha
Que escavaram as encostas, desta florestinha

(Evolui no xaxado)
Oh! Xente, tô arretada, tô chateada, tô arretada, tô chateada,
Oh!Xente, aiaiai, ai bichinho...

(Outra voz, a princípio escondida , depois mostrando-se, entra, fazendo par com a mangueira, imitando-a debochadamente, é o Fogo, malandro capoeira)
Fogo
Eu fui toda chamuscada
Por um safado dum raio
Que passava lá no alto
Jogando fogo no chão
Me acertando bem aqui
No meu chamego de estimação

Ai aiai, tô arretada, tô toda queimada, aiaiai (rindo) ahahahah!

(A Mangueira, se dá conta de quem é o seu parceiro de xaxado e fica apavorada. Maria e Joana intervém)
Maria
Muito bonito, hein? Você é um bobalhão (separando os dois) Vamos acabar com isso já... anda, desgruda, senão eu vou arranjar água pra acabar com a sua festa...
Mangueira do Norte
Todo dia a mesma coisa, ele está me perseguindo, só dá sossego em dia de chuva
Joana
Como se não bastasse os homens ficarem cavando as costas...
Maria
Encostas Joana, são os lados, as bases dos morros e florestas...
Joana
Então, as encostas, como se não bastasse os homens cavarem as en-costas, provocando desabamentos e matando árvores...
Mangueira do Norte
E gente também
Maria
É gente também, quando as encostas que são escavadas pelos homens desabam, pode cair em cima de casas matando gente, como se não bastasse isso ainda aparece o senhor pra por fogo
Joana
O senhor devia se envergonhar!
O Fogo
Mas eu estou a serviço dos homens, ahahahah!
Mangueira do Norte
Que belo serviço, hein? Acabar com as árvores, com o verde
O Fogo
O verde, o marrom e , tudo que vier eu traço ahahahah!
Maria
Vamos parar, vamos parar! Você é muito desagradável!
Joana
Que tipinho esse foguinho...
O Fogo
Foguinho não minha filha, eu sou o maior, o mais poderoso, sou o
espírito do fogo, o calorãaao, ahahahah! (Ameaçando Joana) Eu me divirto
pra valer vendo tudo queimar, mas não é a mim que vocês devem
reclamar, eu faço o que me mandam fazer, são os homens que me
acendem, eu sou apenas o espírito do fogo!
Joana
(Sem se intimidar) Parece é espírito de porco!
Maria
Vamos conversar, para de se comportar como um mau caráter, o fogo pode ser bom para todos,
O Fogo
Eu só faço o que me mandam, já disse e, o que me mandam fazer
é queimar! Queimar tudo que é verdinho e marrom! Não gosto de
conversa fiada com humanos de bom coração, prefiro os maus,
ahahaha!
Maria
Os homens são muito burros, eles não pensam que quando
colocam fogo nas florestas, estão acabando com a terra fértil, nada
mais irá nascer no local queimado, não pensam no futuro, no povo que
irá nascer depois e não terá mais terra pra plantar e, o que eles irão
comer? Como irá nascer novos alimentos?
O Fogo
Pouco me importa, eu quero mais é me divertir, ahahahah!(ameaça
a mangueira, que fica apavorada com a língua do Fogo) lambendo a terra e ,
acabando com todos!!!
Mangueira do Norte
(Rodeamdo as meninas, com o Fogo atrás) Aiaiai, me protege, que eu
prometo te dar frutos e falar com minhas amigas e vocês poderão se
fartar de colher o ano todo os nossos frutos gostosos, naturais, sem
agrotóxicos. Protejam a floresta e, nós lhe seremos gratas para sempre,
nunca mais vai lhes faltar comida, vocês terão sempre frutos frescos
para escolherem se quiserem e ainda poderão vender, mas por favor,
proteja a floresta dos homens... (fugindo deseperada) Não deixem eles
escavarem nas encostas, pra evitar deslizamentos, não somos nós que
queremos deslizar (para Joana) Eu tenho até medo de escorregar!
Joana
Eu já entendi, desculpa falar que você era gagá...
Mangueira do Norte
Você é criança, não é culpada, mas pode ajudar a nos salvar,
defenda a natureza, ela é generosa e pedimos muito pouco para
sobreviver, em troca damos tanto aos humanos, não sei por que eles
querem nos fazer sofrer, nós damos os alimentos que eles precisam pra
viver, o oxigênio, ajudamos a despoluir o mundo, não deixem que as
queimadas continuem, salve o verde, salve a nossa e as suas vidas
(O Fogo investe pra valer sobre a mangueira que foge, enquanto as duas meninas
seguram O Fogo impedindo ele de perseguir a assustada mangueira que sai de cena
gritando socorro)
Mangueira do Norte
Socorrro!!
Maria
Eu já estou cansada desta palhaçada! Joana, corre até o
Haroldinho vai, entra na gruta e trás ajuda , trás água pra apagar este
fogo ruim...
O Fogo
Hahahahahahah! Por aqui não tem água, os homens desviaram os
rios e soterraram os córregos desta região, ahahahaha! Vocês não vão
me apagar, ahahahahah ! (Ameaça as duas, uma coreografia é feita,
forjando uma luta de capoeira/ Joana corre gritando, ficando Maria pra
encarar o fogo)

(O Fogo e Maria lutam capoeira cantando a melodia típica da dança com berimbau)
Fogo
Vai encarar? Vai encarar?
Pode vir que eu vou te queimar...

Maria
Quer apostar? Quer apostar?
Quer apostar, que essa guerra eu vou ganhar...

(Diversos golpes de capoeira, o fogo começa a vencer a luta, entram em cena esbaforridas Joana arrastando a água de mina)
Joana
Vai lá Põe êle pra correr! Convencido! Derrete êle! Vai lá!Manda água nele! Afoga êle! (torce animada)

(O Fogo ao ver a água de Mina , tenta lutar contra ela, mas começa a enfraquecer e sai rastejando)
Maria e Joana
Ahahahahahaha! Puxa, foi por pouco....
Maria
Na horinha, eu já estava com um calor, estava me sentindo um
torresmo! Obrigado! Muito obrigado! A senhora me salvou...
Mina
Não foi nada, aquele foguinho estava mesmo precisando de um
banho, ele estava com os pensamentos muitos sujos, mas isso tudo é
coisa dos humanos... Se os homens não ficassem mudando o rumo da
natureza, vocês iam ter aqui mesmo um belo riacho, belíssimo!Mas
eles mudaram o rumo dele e o aterraram lá embaixo, na rua principal
onde ele se espalhava...
Maria
Então deve ser por isso, também, fora o lixo das ruas, deve ser por
isso, que a rua principal vira uma lagoa em dias de chuva.
Mina
Por isso mesmo, quando chove, o meu amigo riacho toma conta do
seu pedaço, se esparramando todo pela rua...
Joana
E acaba com o trânsito
Mina
É um direito dele, quem manda fazer rua nos lugares onde tinha
água
Joana
Por isso que o Rio de Janeiro, se chama Rio de Janeiro, devia ter muito rio... ahahaha!
Maria
Ah Joana quando você abre o bestialóide...
Haroldinho
(Entra esbaforrido)Que dê êle? Deixa comigo, que eu sei lutar muito
bem (começa a lutar Box sozinho dando socos no ar) Toma, volta aqui...
Maria
Ele já foi embora a muito tempo... A mina deu um banho nele, que
lavou a alma
Joana
Você tava lá no alto da gruta, não deu pra te esperar...Pô mina,
você foi demais, legal, você perdeu,... ela botou aquele foguinho pra
correr...
Ele estava precisando ser apagado...
Haroldinho
Mina, mina, mina, eu não posso sair um instante que vocês já me
substituem, já arranjaram um novo amigo...
Maria
Deixa de ser bobo Haroldinho, você mora no nosso coração...e a
Mina me salvou... além disso ela estava contando, que além do lixo que
entope os ralos causando enxentes, as ruas alagam nos lugares onde
havia rios
Mina
Lagoas, pântanos...
Haroldinho
(Se interresando) Pântanos?
Mina
O Rio de janeiro, tinha muitos pântanos, o povo aterrou...
Haroldinho
Ai que vontade de me esfregar na lama (se joga no chão) Que bom!
Joana
Que horror, se fosse uma cachoeira...
Haroldinho
Não sei por que horror as mulheres grã finas da cidade, esfregam
lama no corpo todo, dizem que é pra ficar bonitas (vai esfregando nele
mesmo) e porque eu não posso? Eu também quero ficar bonito...
Maria
Você já é bonito... lindinho!
Haroldinho
Eu sei, eu sempre soube... mas é pra manter a beleza
Joana
Que idéia
Mina
Se vocês quiserem tomar um banho de cachoeira, eu posso providenciar... Então? Querem? Água de mina, água pura... sem poluição...
Todos
Queremos

(O cenário se modifica um pouco, uma cachoeira de papel começa a cair, prateada, sobre todos, Haroldinho, Maria, Joana, tomam um banho, aparecendo mais limpas aos poucos)

Música 6 – Sertaneja “Água pura” Mina dágua que canta

Brilhante como um diamante
Pura com muita doçura
Escorrendo livre entre rachaduras
Percorrendo as montanhas
Rumo ao mar
Abro os braços
Sobre córregos e riachos
Refrescante acolho o viajante
Em meu seio reconfortante
Não adianta me soterrar
Minha natureza é ganhar
Luto, embaixo do mundo
Desviando a linha reta, vou
Descobrindo a minha meta
Me escondendo sob as pedras
Avanço amorosa, forte e vital
Lutando com uma força anormal
Alcanço finalmente e me lanço
Aos mares onde espalho livremente
Num espelho imenso, alegremente


(A cachoeira para de cair, as meninas estão limpas e parecem outras, Haroldinho também, a mina ri, ao vê-los sair do banho)

Mina
Nossa! Parecem outros...
Haroldinho
Tô arrasando, confessa... Joana você se lembra de um vestido
Joana
O meu vestido, que dê?
Haroldinho
Tchan!Tchan!Tchan!Tchan!… (mostra o vestido que está novo)
Maria
Meu deus! Está novo, novinho...parece milagre.
Joana
(Abobalhada) Não é que está mesmo mais azul! E tá passadinho? Ainda tá quente...
Maria
Xô ver
Haroldinho
Se chover, molha e, eu não vou secar de novo que deu o maior trabalhão...
Joana
(Já vestida) Ta lindo,lindo!
Haroldinho
Eu lavei na água pura da mina
Mina
A minha água é pura, ainda não foi contaminada, não tem poluição, nem detergente, nem outras porcarias que o povo costuma jogar...
Maria
Que água, uáu...
Mina
Agora tem uma coisa, não conta pra ninguém que eu moro na gruta, esse foi o único lugar tranqüilo que eu encontrei pra morar, vocês são os primeiros humanos, com quem eu converso, sempre tive mêdo deles me poluírem, então minha nascente está dentro da gruta, bem escondida da humanidade... e, eu sigo o meu caminho por um rio, gruta adentro que é uma beleza, tem peixinhos colorido, que moram nestes meus braços...
Joana
Posso ver?
Mina
A hora que você quiser, o Haroldinho sabe onde me encontrar, agora gente, eu tenho que ir, espero a visita de vocês meninas...
Eu tenho que ir, eu tenho dois filhinhos dois riachinhos, que estão começando a se formarem, mas se eu não fico de olho o tempo todo, eles fazem logo uma arte qualquer... Outro dia eu me descuidei e não é que eles, ficaram brincando de esconde esconde com os peixinhos e quase que os peixinhos morreram no sêco... beijinhos crianças... (entra na gruta)
Joana
Gente! O espírito de porco do fogo, viu a mina saindo da gruta, êle sabe o segredo...
Maria
Não tem importância Joana. Ela lavou a alma dele, êle agora é um bom espírito do fogo, vai ajudar a todos, o fogo é bom , nós precisamos dele
Joana
Ainda bem que ela fez uma lavagem cerebral nele!
Maria
Joana, a chuva já passou e, nós temos que voltar pra casa, já escureceu...
Joana
Se tiver que chafurdar na lama eu não vou
Maria
E você vai dormir onde hein?
Haroldinho
Na gruta!
Maria
Haroldinho, nós temos que ir, vê se você consegue me levantar para eu tentar ver a rua principal ( no colo do Haroldinho) Nossa! Virou um rio... um rio enorme
Haroldinho
Ôba!Eu acho que vou até lá pegar jacaré...
Maria
Quer virar sapato? Quer pegar doença é? Vai pegar jacaré... vão é te pegar se você for nadar na rua... (olha na ponta dos pés) Olhem ! São os velhos! Estão numa jangada... (todos olham, estão todos na frente do palco, olhando sobres a cabeça do público )
Joana
(Acompanhando com olhar) E tem manga espalhada pra todo lado... bem feito, não me deixaram comer
Maria
A correnteza está muito forte, vai levar eles pra bem longe... E a nossa casa de papelão, a esta altura, já derreteu e, o rio que tem debaixo do viaduto já deve ter transbordado... e agora?
Haroldinho
Vocês ficam morando na gruta... Aqui tem água pura, tem peixes, tem frutos...
Joana
Isso Maria, vamos ficar aqui, vamos, vamos!
Maria
E os bichos? Quando a gente dormir eles vão nos pegar e,
Haroldinho
Xá comigo... Eu falo com eles que vocês são minhas amigas e
Joana
Isso mesmo, quem sobrevive na selva da cidade, sobrevive na mata...
Maria
É , talvez vocês tenham razão... afinal nós somos descendentes de índios e, eles moravam em florestas fechadas... mas se umas pedras rolarem na gruta, vamos ficar sem ar e
A Voz da Gruta
Não rola não que eu garanto, vocês podem ser minhas hóspedes...
minhas companheiras, minhas amigas, vocês são amigas não são?
Joana
Claro que somos amigas...
Maria
Mas quem falou?
oana
Sei lá! Mas eu respondi... Eu lá tenho cara de inimiga?
Maria
Mas a gente não deve falar com quem a gente não conhece
Joana
Então como é que a gente fica conhecendo?
Maria
Isso eu não sei.
A Voz da Gruta
Fui eu que falei (eco) eieieiei
Haroldinho (com medo)
A voz vem lá das entranhas da gruta
Joana
(Empurrando Haroldinho que tenta fugir) Vai lá Haroldinho, você é homem, vai na frente!
Haroldinho
(Se escondendo atrás da Maria) Eu não sou homem não, eu sou Jacaré!
Maria
(vai entrando na gruta , com os dois agarrados, com medo na sua saia)Tudo bem ! Deixa que eu vou na frente, alguém tem que encarar, ficar com medo não adianta nada, vamos ver quem está falando, ei (eco) eieieiei
(todos se assustam com o próprio eco voltando correndo/o cenário, está se modificando, o grande pano que a princípio cobria a metade do palco, cobre aos poucos, o palco todo, ficando tudo prateado e, vimos no alto, uma figura feminina, de onde o pano sai, como se fosse sua saia, é Grutalinda, o espírito das pedras)
Maria
Tudo bem, vamos lá, não se assustem de novo, coragem...
Grutalinda
Não tenham medo (eco) memedoedoedoedoedo
Joana
Eu não consigo... igoigoigoigo (eco)
Haroldinho
É por causa do eco, é assustador dordordordor
Maria
Calma almaalmaalma
Haroldinho
Ai, alma? Deve ser uma alma do outro mundo undoundoundoundo
Joana
Isso não existe iste iste iste
Grutalinda
Olhem pra cima, isso, pra ca cacacaca
Maria
(Vendo Grutalinda) Olhem ali! Ali! Nossa é lindo indoindoindoindo
Joana
Nunca vi nada tão bonito itotitoitoito
Haroldinho
Deve ser a alma do outro mundoundoundoundo
Grutalinda
Eu sou a Grutalinda, o espírito das pedras, vivo escondida nesta gruta a muito tempo empoempoempo
Haroldinho
Eu sabia iaiaiaia
Joana
Que mentira, estava morrendo de medo edoedoedo
Haroldinho
Tava só fingindo, pra ver se vocês tinham coragem gemgemgem
(Haroldinho se assusta como próprio eco, as meninas e Grutalinda riem)
Grutalinda
Calma! Eu vou desligar o ecoecoecoeco (desliga) pronto, agora podemos conversar... Eu já estou descendo (salta agarrada numa corda, mas cai de mau jeito) aaaaaiiiiiiii
Maria
Machucou?
Joana
Que tombaço!
Haroldinho
Puxa!
Grutalinda
Eu acho que eu torci o pé, aiaiaiai, eu estou destreinada, há anos que eu não desço lá de cima, me sinto mais protegida lá.
Maria
(Fazendo uma massagem) Protegida de que?
Grutalinda
Dos humanos, eu tenho medo sabe, eu sou a alma das pedras... sou especial, como vocês podem ver, a minha beleza é natural e, eu fui lapidada pela natureza, o escultor foi o tempo, com uma assistente um pouco lenta a senhorita paciência, mas muito boa, eles me fizeram e, vivem me retocando, e graças a Deus, os homens ainda não me descobriram, senão bum! Eu voaria pelos ares, para eles venderem os meus pedaços...Triste fim... mas não vamos falar de tristezas... Obrigado Maria, já me recuperei, afinal eu sou de pedra... Venham crianças! (levanta-se)
Joana
Eu sou pré adolescente
Maria
Não é nada, quem é sou eu!
Joana
Ah! Finge que eu sou...
Grutalinda
Quero lhes mostrar toda a beleza mineral da natureza, nas pronfundezas da minha gruta, tem cada pedra linda...
Joana
Preciosas?
Grutalinda
Preciosas, semi-preciosas e outras tão maravilhosas, de todas as cores , de diversos tamanhos ... vocês vão ver...
Maria
Então a senhora deve ser muito rica! Grutalinda
Sou, mas minha maior riqueza é ser pura, não ter sido tocada pela mão dos homens e, agora com o mundo crescendo, eu preciso de ajuda para me manter assim, inviolável...
Haroldinho
Pode contar com a gente...
Maria
Isso, nós iremos ajudá-la
Joana
O que a senhora pretende fazer
Grutalinda
Eu tenho um plano!
Todos
(Se juntando) Um plano? Conta, conta...
Grutalinda
Então sentem-se! Aqui, onde nós estamos, é o final da minha gruta, quando eu era jovem, eu vim da minha terra natal, no início da gruta, que fica muito longe, eu demorei muitos anos até chegar a esta ponta, atravessei muitos estados, muitas cidades, sempre por debaixo da
Joana
Sempre por debaixo da terra? E como é que você respirava?
Grutalinda
O ar aqui é puro e, tem a Mina dágua que fez uns riachinhos aqui dentro, passando por todo o meu comprimento, aqui dá para se viver muito bem...mas voltando ao meu medo, eu agora tenho tido uns sonhos, que uns homens maus vão descobrir a minha entrada, e é por isso que eu preciso de vocês, o meu plano é voltar até a minha terra de origem e esconder a minha entrada , vocês entenderam?
Maria
Mais ou menos...Você quer que a gente vá com você, por dentro da gruta, até chegar na sua entrada, sua entrada principal, sua terra de origem e te esconder bem escondidinho... é isso?
Grutalinda
Isso, e quando chegarmos ao pantanal, vocês me ajudam a esconder melhor a entrada, por que eu não posso sair de dentro da gruta!Haroldinho
Pantanal!?
Joana
Pantanal?
Maria Pantanal?
Grutalinda
Por que o espanto? É no pantanal que a minha gruta se inicia, é lá minha terra natal, nas terras dos índios Caiuás...
Todos
É a nossa também!
Grutalinda
É mesmo? Quer dizer que somos conterrâneos
Joana
Conte o que?
Haroldinho
Conterrâneos, nascemos na mesma terra... ah como vai ser bom poder voltar ao pantanal...
Maria
Vamos poder rever o nosso povo, os índios Caiuás, o som dos maracás!
Joana
E vamos poder conhecer as nossas lendas, vou conhecer o curupira!
Maria
Reviver nossas tradições, as nossas festas, a pagelança!
Haroldinho
Voltar a sentir o cheiro da fumaça do cigarro tavari do Pagé!
Joana
Vamos logo, vamos, vamos!!
Grutalinda
Faremos uma viagem fabulosa , pelo centro da terra, rumo as nossas origens e lá vocês poderão ajudar o seu povo, eu lhes darei o que precisarem, pedras preciosas, diamantes, se me ajudarem nesta aventura.
Maria
O que estamos esperando? Vou poder conhecer o Urutaí, o Mãe da lua, uma ave mítica, muito misteriosa...
Haroldinho
Estamos prontos, quando eu chegar, vou brincar com o Boitalá, o fogo fátuo...
Joana
Vamos logo! Eu tô doida pra conhecer (para Haroldinho) uma prima sua, a Teinanguá, uma lagartixa fabulosa, que traz na cabeça uma pedra preciosa que cintila como brasa e é cor de rubi...
Haroldinho
A Teinanguá, tem uma radiações que desviam os olhos e mãos dos que as perseguem, numca puderam apanhá-la, nem viva nem morta... Eu te apresento pra ela, você vai ser a primeira humana a tocá-la!
Joana
Puxa! Eu vou ficar muito importante! (toma ares majestosos)
Todos
Vamos, vamos,vamos,
(Todos ficam fazendo um burburinho louco, excitados, comentam sobre o que vão fazer etc... deixando a Grutalinda, tonta)
Grutalinda
Calma, calma... então estamos combinados, logo que nós chegarmos vocês me ajudam a esconder a entrada e eu ajudo vocês no que for preciso... Eu preciso avisar a vocês que estas terras que nós vamos encontrar e, que antigamente foi dos índios Caiuás, foram tomadas por fazendeiros da região, mas a gruta está na reserva dos dourados, por tanto, dentro das terras dos Caiuás hoje. Oh o segredo... vocês não podem espalhar para o restante da tribo sobre a localização da gruta mantenham segredo, e eu os ajudarei, fornecendo pedras que vocês poderão trocar por terras, recuperando os bens dos Caiuás
Grutalinda
Então vamos gente... ao Pantanal (começa a música)


Música 7 – um samba enredo ou samba canção “Novo Mundo”
(Todos cantam devidamente coreografados e ao final da canção eles chegam, aparecendo então caracterizados como índios)

Estou voltando pra minha terra, pra minha gente, pro meu povo
Não adianta me expulsar, que eu não vou sair de novo (Maria)
Eu quero ficar como meu povo! Vou conhecer um novo mundo!
Há muito tempo viajante, terra a dentro, correndo bem fundo andei... (Grutalinda)
Andei solitário pelo mundo
Conheci muitos lugares belos e imundos

Mas o lugar onde eu nasci eu não esqueci
Vou voltar ao meu lugar, vou rumo ao lar, a um novo mundo ! (Joana)
Que há muito eu perdi
Vou tornar a ouvir o som do pagé e dos jacarés
Mergulhando no pantanal (Haroldinho)
Vou dançar, e vou cantar, numa festança infernal
Viva a pagelança! (todos)
Estou voltando pra minha terra (Gruta)
Espere gente não se mate não (Joana)
Estou voltando pra minha gente (Haroldinho)
Vim pra ficar com o povo do meu coração (Maria)
Não adianta me expulsar , que eu não saio não ( Joana)
Estou voltando , alou (de costas Gruta)
Estou voltando , alou ( De costas Maria)
Estou voltando , alou ( de costas Haroldinho)
Estou voltando , Alou ( de costas Joana)
Chegou ! ( de frente / todos )
A aventura acabou (de frente todos)



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